[Resenha] Throne of the Crescent Moon

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Esta resenha foi feita com base na edição em inglês da DAW Books. Todas as traduções de trechos foram feitas por mim.

Sinopse: Os Reinos da Lua Crescente, lar de djenns e ghouls, guerreiros santos e hereges, estão à beira do colapso quando o Califa, que mantém o poder com mão de ferro, e o misterioso ladrão conhecido como o Príncipe Falcão lutam pelo poder. Em meio a essa rebelião iminente, uma série de assassinatos sobrenaturais ocorrem no coração dos reinos. Mas essas mortes são apenas os primeiros sinais de uma disputa pelo Trono da Lua Crescente que ameaça levar a grande cidade de Dhamsawaat, e o próprio mundo, à ruína.

Fonte: Amazon.com

Pra quem curte fantasia e lê em inglês, esta é a dica de hoje. Comprei este livro sem saber nada além do fato de que era uma fantasia épica passada num mundo inspirado no Oriente Médio medieval.

E o livro não decepcionou no quesito construção de mundo. O cenário principal – a cidade de Dhamsawaat – é um lugar pulsante, cheio de cores, aromas e palácios que reluzem ao sol enquanto milhares de pessoas percorrem suas ruas estreitas. Saladin Ahmed expõe esse mundo habilmente ao leitor, que entrevê sua construção cuidadosa por meio de expressões, ditados, citações dos livros sagrados, etiqueta e outros detalhes que criam um universo bem realista. Os outros reinos de que ouvimos falar, embora não sejam cenário da ação, também são intrigantes e devem aparecer nos outros volumes dessa trilogia.

O livro é narrado a partir de cinco pontos de vista (PDV). O principal deles o do Doutor Adoulla Makhslood – um protagonista inusitado, para dizer o mínimo. Adoulla é um homem de meia-idade, o último verdadeiro caçador local de ghouls, desiludido após uma vida de sacrifícios em prol da população de Dhamsawaat. Os tais ghouls, aliás, são criaturas realmente horripilantes, criadas com magia negra a partir de terra, vermes ou do próprio medo humano. Adoulla adoraria ter uma vida pacífica – o que, para ele, significaria tomar seu chazinho preferido e se casar com seu antigo amor – mas o dever não para de chamar.

No início do livro, ele é arrastado para uma nova caçada. É aí que somos apresentados ao seu assistente, Raseed, um jovem dervixe guerreiro que admira o Doutor, por mais que não se conforme com seu jeito despojado de levar a vida. Raseed é um adolescente que possui uma habilidade incrível com espadas e uma fé inabalável, quase fanática. Os conflitos entre ele e o Doutor são um dos aspectos de que mais gostei no livro. O autor, Ahmed, conseguiu colocar a questão religiosa no centro da obra sem torná-la pesada, e a humanidade de ambos os personagens permite que eles encontrem pontos em comum e se respeitem.

Outro PDV é o de Zamia Badu Laith Badawi, uma garota que veio de uma tribo no deserto e se junta aos dois para caçar ghouls. Zamia tem a habilidade de mudar de forma (ela vira um leão – é bem legal!), e pouca paciência para os planos do Doutor. Sua meta é vingar a morte da família, e ela está disposta a morrer por isso. Esse espírito forte e determinado é parte do que atrai Raseed a ela, e vice-versa.

O livro apresenta mais dois PDV: os de Dawoud e Litaz, amigos de Adoulla que ajudam o trio a desvendar um plano que pretende liberar um mal milenar sobre os Reinos da Lua Crescente. Ahmed alterna entre os PDV com bastante habilidade para um escritor iniciante, nunca se focando demais em apenas um personagem.

Gostei muito dos capítulos de Adoulla, Raseed e Zamia. Apesar de terem passados e mentalidades muito diferentes, todos têm que lidar com a mesma questão: o que farão com suas vidas a partir daquele momento. Adoulla está envelhecendo e precisa decidir como quer passar seus últimos anos; Raseed está sendo obrigado a rever suas crenças rígidas; e Zamia está sozinha no mundo, desenraizada de tudo o que conhecia e amava. Mas acho que os PDV de Dawoud e Litaz seriam dispensáveis. Os dois formam um casal agradável e útil para a trama, mas não possuem conflitos internos que justifiquem o acréscimo de PDV. Teria gostado de passar mais tempo com os outros três.

Outro destaque é que Ahmed conseguiu algo difícil, que é tornar seus vilões macabros de fato, e faz isso em grande parte apoiado na magia. No entanto, não existe um sistema de magia muito bem estabelecido no seu mundo. As possibilidades ficam em aberto, o que reduz um pouco a tensão ao longo do livro – por mais cansado que Adoulla e companhia fiquem ao lançar um feitiço, nunca se sabe até onde vai sua magia, e o leitor não fica com muitas dúvidas de que no fim eles conseguirão salvar o dia.

Também gostei do fato de a trama ser bastante direta. Em certo ponto – culpa de ler tanto Brandon Sanderson – comecei a “antecipar” um certo plot twist gigantesco que eu tinha certeza de que aconteceria, só pra descobrir que não havia plot twist nenhum. Mas, no fim, foi uma decisão sábia da parte do autor, que já inseriu muita trama num livro relativamente curto. Isso prova, também, que nem sempre é preciso uma grande surpresa ou revelação no final do livro para que ele seja bom.

Como disse, é o primeiro de uma trilogia. Não consegui descobrir quando será lançado o segundo, mas este não é daqueles livros que te deixam desesperado por mais, arrancando os cabelos durante a espera pelo próximo. É, sim, uma leitura divertida, inteligente e satisfatória, com um final que abre possibilidades interessantes e promete ampliar o conflito a níveis épicos. Uma fantasia cujo maior mérito é a originalidade, mas cujo coração está no aspecto humano. Recomendo!

*

Throne of the Crescent Moon (Crescent Moon Kingdoms – Book 1)
Autor: Saladin Ahmed
Editora: DAW Books
Ano desta edição: 2014
367 páginas

Um trecho

“Aqui estamos nós de novo,” ele grunhiu para Raseed, cansado do silêncio entre eles. “Deixando para trás a segurança e o conforto para matar monstros. Talvez para morrer. Deus Todo-poderoso sabe que eu não aguento muito mais disso. Logo você vai ter que caçar sem um mentor, sabe.”

“Você não está falando sério, Doutor.” O garoto torceu suas belas feições com nojo quando eles passaram por uma carroça de lixo, quebrada no meio da rua e fedendo sob o sol do meio-dia.

“Não estou falando sério? Hmpf. Preciso te lembrar da nossa última viagem? Eu quase fui decapitado, menino! É assim que um velho deve viver?”

“Mas salvamos vidas, Doutor. Vidas de crianças.”

Adoulla conseguiu abrir um meio-sorriso ao dervixe. Gostaria que esse fato ainda impedisse que meus pés doessem, como impedia na sua idade, ele pensou. Gostaria que impedisse que eu congelasse por dentro e aceitasse a morte. Mas o que ele disse foi: “Sim, salvamos.”

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